domingo, 16 de agosto de 2009

Z É
N I L T O N

Zé Nilton parecia um sibito de tão magro, só tinha olho. Mas pense num moleque danado! Cabra bom lá do sertão de Pernambuco, cidade chamada Afogados da Ingazeira. Mas não foi bem na cidade que o conheci e sim nos mato...

Para aclarar mais um tiquinho pense só no seguinte, o Brasil é terceiro mundo do mundo, o nordeste é terceiro mundo do Brasil, Afogados da Ingazeira é terceiro mundo do nordeste e os mato (assim mesmo plural-singular) são o terceiro mundo de Afogados. Pois foi lá que eu fui morar e lá a família de Zé Nilton já vivia há gerações, desde que o último descendente imigrante saiu de um lugar ainda mais distante numa seca desgramada e se danou pra lá, pros mato de Afogados, iludido com a idéia de que foi uma cheia que deu nome à cidade.

Essa história tem uma coisa engraçada, a cidade se chamava Afogados, pelo nome seria a cidade do sertão que mais tinha água, mas num ano inteirinho não caia sequer um pingo d'água. O que nos salvava era que nos mato tinha o Oiti, o Oásis em terras mais escuras e o que importava é que nele tinha água e que o pouco que tinha para nós bastava. Lá era a nossa praia, era mesmo o paraíso, onde tudo era possível com nossa imaginação. Mas criança não imagina o que mais era preciso, enquanto isso papai era que fazia mágica, conseguiu até montar uma barragem para dar de comer à plantação.

A vida era tranquila, minha única preocupação era com as raposas, meu maior pesadelo não sei se era com ela ou se com os guarás. Para mim era tudo a mesma coisa, era místico, nunca tinha visto, só sabia que era rápido feito um trem e mortífero como uma bala. À noite as portas eram trancadas, não por medo de assalto, mas por causa dos temíveis lobos. Lembro também de uma sucuri que apareceu na geladeira, mas meu pai foi bem ligeiro e com um cabo de enchada matou logo a danada que não era brincadeira.

E nessa história toda o Zé Nilton teve grande participação, cresceu com a gente e com a gente era grudado em todas as horas, menos na escola. Eu ia para a escola em cima da caçamba de uma Pampa, era eu, meu irmão e sempre alguns botijões de leite. Como esquecer do dia que um botijão virou se abriu e tomei banho de leite antes da aula. Andava na Pampa para todo destino, na chuva era pior, dois pintos molhados tomando um vento arretado, tentando se proteger de qualquer jeito. Sem isso se brincar até dormia, o sono era pesado, confortavelmente instalado no assoalho de madeira. Até ganharmos de presente uma capota e um colchão, até minha irmã saiu da boléia e foi para cima.

Zé Nilton era disposto, de tudo fazia um pouco, e junto do pai dele e do meu pai botava ordem na plantação. Não tinha medo era de nada, nem dos guarás e nem das cabras, tirava leite delas e mandava nelas. E elas sempre obedeciam ele e sua tabica.

Zé Nilton era sabido, acreditem que um dia vendo seu pai no carro de boi botou na cabeça dele de ter um só para ele. E não é que conseguiu, já que não tinha boi, fez um carro de cabra.
Com ele nada era igual, era mesmo uma aventura quando a gente ia para o curral. Não para ver as vacas, mas para brincar de ver quem corre mais, se esconder nos cochos, pular na valetas imensas das construções.

Foi o tempo que no lugar do carro de controle remoto era o carro de lata de leite, barbante e areia, nosso carro de corrida era o carrinho de rolimã e que nosso animal de estimação era um vira-lata chamado Valente.

Tempo que o tempo parou por um segundo e de repente acabou, a seca veio novamente, a barragem e até o Oiti secou. Lembro de uma vez que a gente foi viajar e Valente descontente começou a desconfiar, pensou que a gente ia embora e ele ia ficar. Ele sentiu que ali já não era mais o seu lugar. O cachorro era insistente e se danou a relutar, botou sebo nas canelas para a Pampa alcançar, gritando desesperado para ser também levado. O pobre triste não conseguiu nos alcançar, mas teimoso avançou depois da porteira e alcançou a rodovia num ataque de doideira, até que foi calado, depois de um grito e um grande estalo, de forma nada lisonjeira. E no mesmo instante que foi calado, na caçamba vendo toda a cena, começamos a chorar.

Pouco tempo depois foi a gente que entendeu que Afogados não era mais nosso lugar. Mas Zé Nilton ficou lá, no sol se resiste e na chuva se agradece, hoje ele é pai de família, tem uma tuia de meninos, que cuidam do sertão para o sertão não se acabar.

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